Big techs devem ter responsabilidade contra fake news, diz IFCN

Por MRNews

Na batalha contra a disseminação de notícias falsas (ou fake news, com a popularização do termo em inglês), checadores de fatos passaram a assumir um papel central na validação de informações. São jornalistas que percorrem redes sociais em busca dos assuntos mais compartilhados e investigam a veracidade deles por meio de uma apuração profissional.

Nesta semana, o Rio de Janeiro recebeu o principal encontro de checadores de fatos do mundo: a 12ª edição do Global Fact. A organização foi do International Fact-Checking Network (IFCN), do Instituto Poynter, que se tornou uma das maiores lideranças sobre o assunto e inspirou iniciativas semelhantes pelo mundo. A conferência contou com cobertura especial da Agência Brasil e da EBC.

A reportagem da Agência Brasil ouviu a diretora do IFCN, Angie Drobnic Holan, ao final do evento, e conversou sobre os desafios atuais do combate à desinformação. Termo entendido não como simples fofoca ou mentiras espalhadas por indivíduos, mas como projeto político baseado em confusão e manipulação.

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Angie Holan falou sobre a responsabilidade das big techs na circulação de fake news, o uso de inteligência artificial (AI), as dificuldades de acessar dados confiáveis em cenários de guerra e a necessidade de tornar as pessoas mais conscientes sobre a busca por fontes confiáveis de informação.

“As pessoas querem acesso a informações precisas. Querem liberdade para explorar novas ideias e ter opiniões fortes, mas não consigo pensar em ninguém que defenda ser enganado ou queira consumir informações falsas”, destacou a diretora durante a entrevista. “É aí que os checadores de fatos se posicionam, com seus princípios éticos”, frisou.

Agência Brasil: O que você colocaria como principais contribuições que o evento Global Fact trouxe para o jornalismo e os jornalistas aqui no Rio de Janeiro? Quais pontos destacaria?

Angie Holan: Eu acredito que o Global Fact ajuda a criar uma comunidade nossa. Nós nos encontramos pela primeira vez em Londres em 2014. E, ao longo dos anos, acumulamos ideias e apoios a partir das conferências. Hoje, trabalhamos sob um conjunto de códigos e princípios que norteiam a checagem de notícias. E isso começou a partir do Global Fact.

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Não importa onde nos encontremos, nós conversamos sobre as melhores práticas, sobre os desafios e novas oportunidades. Procuramos meios de fazer o jornalismo de checagem acessível e compreensível. Também é um evento muito inspirador porque coloca em um mesmo lugar pessoas de diferentes países, com diferentes idiomas, mas com um foco comum de aprimorar nossa capacidade de documentar o nosso mundo de uma forma factualmente precisa. E eu me reabasteci com muita energia na conferência desse ano.

Agência Brasil: O encontro desse ano terminou com algum documento ou diretriz específica?

Angie Holan: Não um documento exatamente. Nós tivemos uma sessão final onde conversamos sobre nossos desafios e oportunidades em comum. Estamos todos preocupados sobre os usos da inteligência artificial e como ela vai afetar o ecossistema de informações. Ao mesmo tempo, muitos checadores de notícias já estão trabalhando com IA. Então, acredito que uma parte chave da conferência foi desenvolver em conjunto o nosso próprio entendimento sobre esses pontos.

Nós também estamos lidando com a redução de trabalhadores nas empresas de tecnologia, particularmente a Meta, que anteriormente administrava um programa de verificação de fatos nos Estados Unidos. Não está claro o que vai acontecer com os programas de checagem de notícias no resto do mundo. Então, estamos compartilhando algumas estratégias para lidar com essas incertezas e o que está por vir.

Agência Brasil: O trabalho das agências de checagem de notícias aqui no Brasil tem crescido nos últimos anos, com o surgimento de novos veículos e profissionais. Mas a impressão é de que as chamadas fake news (notícias falsas) ainda encontram muito espaço entre a população. Como podemos confrontar esse processo de desinformação liderado principalmente por agentes da extrema direita?

Angie Holan: Penso que a resposta para a desinformação precisa estar na sociedade inteira. Checadores de notícias são parte disso, mas acredito que os sistemas nacionais de educação também têm um papel fundamental. Da mesma forma, autoridades eleitas responsáveis ​​e candidatos a cargos públicos precisam assumir essa responsabilidade. Assim como a mídia tradicional e cada cidadão que consome notícias.

Precisamos de pessoas para valorizar e apoiar jornalismo baseado em fatos. Acredito que estamos em uma época desafiadora por causa das novas tecnologias. A internet, em muitos lugares, está amplamente desregulada. Por causa disso, nós estamos buscando formas de usar melhor as novas tecnologias e providenciar informações que tenham marcadores de autenticidade e credibilidade. E, claramente, ainda estamos no meio do processo. Não parece que estejamos, em nenhum lugar, próximos de terminar esse processo. Mas cada nova tecnologia vem com aprendizados para o ser humano saber como usá-la com de maneira responsável e apropriada.

Agência Brasil: Durante essa semana, tivemos um debate político e jurídico importante sobre a regulação das big techs no Brasil. Qual a sua opinião sobre a regulação global e a responsabilidade das big techs em permitir a circulação de notícias falsas?

Angie Holan: O IFCN não toma posições sobre projetos específicos legislativos ou políticos. Mas, filosoficamente, sentimos que as big techs, assim como quaisquer outras empresas, têm a responsabilidade de tentar promover informações precisas e não de promover desinformação ou mentiras intencionalmente.

Agora, acho que todas essas empresas vão apontar para os programas que elas têm, dizer que estão tomando medidas para dar aos seus usuários informações de alta qualidade, mas essas medidas são boas o suficiente? Cada país, cada sistema político e legal está debatendo isso da sua própria maneira. E talvez eles cheguem a diferentes conclusões. Quero dizer, certamente antes das empresas de tecnologia e mesmo antes da internet, países tinham diferentes abordagens sobre publicação e liberdade de expressão. Mas, tendo dito isso, nenhuma empresa está autorizada a fazer o que quiser, sem restrições. Acredito que os comentários que ouvi esta semana no Brasil falavam sobre isso.

Nossos convidados do Judiciário – Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes [ministros do Supremo Tribunal Federal] – falaram de forma muito eloquente sobre o direito das sociedades de regular as tecnologias.

Agência Brasil: Você concorda que o jornalismo perdeu o poder de distribuição de conteúdos e notícias para as redes sociais? Este poder está concentrado nas mãos das big techs agora? Se sim, como o jornalismo pode lidar com esse cenário?

Angie Holan: Essa é uma pergunta fascinante. Eu não acho que o jornalismo perdeu inteiramente o poder de distribuir informação, mas certamente está enfrentando desafios muito particulares nesse exato momento. Se você pensar na mídia tradicional, os jornais impressos antes da internet eram os principais distribuidores.

Essas funções de distribuição parecem ter sido transferidas para empresas de tecnologia, que insistem que não são jornalistas e não tomam medidas que os jornalistas tomam para fornecer informações precisas e de alta qualidade. Portanto, os poderes de distribuição do jornalismo certamente diminuíram. Porém, acredito que o jornalismo ainda tem força, porque suas práticas profissionais de apuração de notícias ainda são muito fortes. Muitos dos princípios éticos aos quais as organizações jornalísticas aderem ainda estão em vigor.

Talvez não todos, mas muitos deles. Estamos começando a ver mais discussões sobre a preocupação com a ética da informação entre criadores de conteúdo e startups de novas mídias. E acho que isso é ótimo. Em meu discurso de abertura da conferência, enfatizei que a verdade é um valor humano universal. As pessoas querem acesso a informações precisas.

E, sim, eles querem liberdade para explorar novas ideias e ter opiniões fortes, mas não consigo pensar em ninguém que seja a favor de ser enganado ou de querer consumir informações falsas. Portanto, é aí que os verificadores de fatos se posicionam, com seus princípios éticos: acreditamos que o público precisa de informações precisas e estamos fazendo o possível para fornecê-las.

Agência Brasil: Acompanhamos uma série de conflitos pelo mundo: Rússia e Ucrânia, Israel e Irã, e ataques na Palestina. Para citar apenas alguns deles. Para os jornalistas que cobrem esses conflitos e para os que trabalham na checagem de notícias, quais os caminhos possíveis para ter acesso a informações mais precisas? Digo isso porque os próprios países possuem estratégias para manipular e esconder determinadas informações.

Angie Holan: Conflitos de checagem de fatos, conflitos militares, são alguns dos trabalhos mais desafiadores que os verificadores de fatos realizam. Muitas coisas não podem ser comprovadas imediatamente. Elas precisam ser investigadas nos dias, semanas, até meses e anos que se desenrolam ao longo do tempo.

Esta é simplesmente a realidade da guerra. Mas, ao mesmo tempo, o público está ávido por informações para aprender sobre esses conflitos porque eles são tão sérios, porque inevitavelmente terminam em sofrimento humano e morte. Então, dadas essas pressões conflitantes, os verificadores de fatos fazem o melhor que podem. Certamente, sempre que há uma guerra, os relatos mais imediatos têm probabilidade maior de serem imprecisos ou distorcidos. E há todo tipo de pressão dos governos para fazer com que seus inimigos pareçam terríveis. Portanto, no geral, é um ambiente muito desafiador para a verificação de fatos, e ainda assim os verificadores de fatos precisam fazer o seu melhor. Eles precisam ver o que pode ser descoberto imediatamente e o que pode ser imediatamente descartado como mentira gerada por IA. Na maioria dos conflitos militares recentes, vemos pessoas desmascarando essas mentiras de maneira relativamente fácil, e nossos verificadores de fatos fazem o mesmo.

Agência Brasil: Você gostaria de acrescentar alguma reflexão sobre o evento desse ano?

Angie Holan: Eu acrescentaria que a razão pela qual viemos ao Brasil é porque temos quatro organizações parceiras de verificação de fatos muito fortes aqui [Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere]. Elas vêm fazendo um trabalho muito bom há anos, sob pressões, às vezes enormes. E eu gostaria de pedir a todos os brasileiros que ainda não consultaram esses sites e canais de distribuição de verificação de fatos que os visitem e vejam o que eles pensam. Porque uma das marcas registradas da checagem de fatos é que fornecemos nossas fontes para que as pessoas possam pesquisar por si mesmas e verificar se é verdade ou não.

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